Um modelo digital para o negócio das universidades sobreviver

O mundo não mudou… está a mudar, digitalmente.

As atuais instituições do ensino superior, sobretudo a indústria das universidades, estão ainda excessivamente dependentes da marca tradicional da instituição, das preferências disciplinares do corpodocente e da lógica estatutária ou de carreira dos docentes. Por outras palavras, está ainda assente em valores pertencentes a modelos de negócio universitário ultrapassados.

O mundo do conhecimento e das aprendizagens e o contexto universitário não mudou, nem está simplesmente a mudar, está em uma mudança digital, provocada pelo tremendo impacto das mais recentes tecnologias, inteligências e eletrónicas na produção e partilha de dados, informações e saberes.  

A educação superior está a sofrer mudanças e desafios profundos, não apenas causados pelas novas tecnologias e inteligências sociais, mas, também, pelo ambiente concorrencial de saberes de nicho, qualificados e práticos, pela sustentabilidade financeira (custos, financiamento), pela alteração do mercado e incumbentes, sobretudo laboral (aquisição de competências, valor acrescentado, custo vs benefício). Por exemplo, aos estudantes universitários já não é garantido o tipo de emprego pretendido e/ou uma remuneração suficiente, isto para não falar da relação entre vocação e talento, por um lado, e escolha de cursos e ponderação da sua empregabilidade, cada vez mais distantes por outro.

Qual a melhor estratégia para lidar com a transição digital?

Para lidar com estar mudanças, que são contínuas, dinâmicas e complexas, já não é possível às universidades menosprezarem uma estratégia focada nos benefícios, valores e resultados sem incorporação da tecnologia na realização da sua missão.

Como escreveu Neil Selwyn no seu livro “Teachers and Technology”, os dias da educação tecnológica como paixão pessoal e projeto individual terminaram, pois, o desenvolvimento do uso tecnológico é uma responsabilidade coletiva de todos os membros da comunidade académica, incluindo staff, (ex)estudantes e, inclusivamente, famílias dos membros.

um novo modelo de negócio das universidades está na incorporação e maximização tecnológicas na realização da sua missão educacional, cultural, social e económica

Por isso, a melhor resposta estratégica das universidades para enfrentar a transformação digital está na adoção de um novo modelo de negócio baseado na incorporação e maximização tecnológicas na realização da sua missão educacional, cultural, social e económica, incluindo a liderança e gestão digitais da organização e a orientação para o mercado e a sociedade civil de todos os membros da comunidade académica, em contexto de sociedades e mercados abertos, complexos e diversos.

Neste contexto, vários arquétipos estão disponíveis a fim de uma transformação digital da organização e seu negócio (reinvenção da indústria, substituição e produtos ou serviços, reconfiguração da cadeia de valor, criação de novos negócios, de base digital, repensar as propostas de valor, ou seja, o que é produzido/servido em ordem às necessidades dos clientes), o que carece de constar da visão estratégica e decidir por um deles, bem como definir a natureza (defensiva/ofensiva),processo (incremental/disruptiva) e alcance (5-20 anos) dos resultados.

Repensar a proposta de valor

Nas universidades, o arquétipo “repensaras propostas de valor” é deveras crucial, perante a concorrência digital e disruptiva e alterações do sistema de qualificações, das necessidades do mercado de trabalho e dos modelos de procura económica. Assim, as propostas de valor devem ser orientadas de acordo com as necessidades, competências e preferências demonstradas pelos estudantes e pelo mercado profissional, que vai além das “saídas”económicas e laborais, pois deve ter em conta a evolução social, tecnológica, cultural e política, a nível nacional e internacional. A facilidade com que as empresas e demais agentes corporativos reformam ou segmentam o seu negócio não é comparável com o tempo necessário de requalificação de estudantes e trabalhadores exigidos por aquela evolução.

Além disso, e mais em concreto, em face do desenvolvimento sociotecnológico acelerado e disruptivo, é importante adotar uma “estratégia ofensiva” ─ i.e.,de melhoria e transformação contínuas ─ as propostas de valor das organizações universitárias devem assentar:

  1. no verdadeiro compromisso e agenda de uso e fornecimento, para estudantes e demais membros da comunidade, de novas competências digitais (fluência, literacia e liderança digitais) e comportamentais (cultura de mudança, inovação, risco),fomentando outras como aquelas que são necessárias para lidar com ambientes complexos e parcerias sociais, dominados pela diversidade, multiculturalidade,i nclusão, multidisciplinaridade e colaboração;
  2. na convicta defesa da diferenciação pela excecionalidade digital na prestação de todos os serviços e equipamentos educacionais (ensino, investigação, administração),através da qual o relacionamento dos estudantes com a universidade, os órgãos, docentes e staff constitui uma das prioridades do valor acrescentado da universidade, baseando o seu modelo de negócio, portanto, na procura de realizar a melhor experiência do estudante enquanto cliente da universidade;
  3. no genuíno foco na geração e formação de aprendizagens e despoletamento de “inovadores”, funcionando a universidade como autêntica incubadora e cocriadora, tanto em ideias e projetos, quanto em lideranças digitais, com valor interno e externo paraa universidade, no âmbito da sociedade em que está inserida.

Isto, sem menosprezar os novos contextos e valorizações do mundo em que vivemos:construção de infraestruturas de redes, tecnológicas e humanas, e de processos imbuídos na diversidade e inclusão; prioritizar o balanceado desenvolvimento profissional e pessoal; identificar fontes de fundos e concorrer; estabelecer parceiros críticos, sobretudo para um baixo custo financeiro da transformação; identificar os early-adopters (os automotivados pela tecnologia e cultos na utilização efetiva) e envolvê-los como “fundadores da mudança”. Lembre-se que, como todos os processos de mudança, a transformação é uma viagem para um mundo novo e diferente, que tanto mais será bem-sucedido quanto melhor for planeado.

Assumir um compromisso de transformação digital

Os caminhos e desafios da transição digital são muitos e árduos para a indústria universitária, mas assaz evidentes e enriquecedores para os seus atores. Deste modo, o primeiro passo deve ser, desde logo, assumir um compromisso digital para a sua organização e todas as suas decisões, operações e processos diários, dos serviços às lideranças, passando por todos os atores universitários e suas prioridades e papéis. No que toca aos líderes, cuja propulsão da mudança não existe sem eles, devem começar precisamente por aí, pela sua liderança.

É indispensável uma visão íntegra de transformação digital fundada na vontade férrea por parte dos lideres, só possível, com a seleção de lideranças que transportam valores digitais, ou seja, líderes digitalmente vocacionados, sob pena de palavras e documentos estratégicos e afins, não passarem de retórica gestionária e burocracia comunicacional.  

Mais, líderes que saibam trabalhar com e elevar os seus liderados, transformando-os, por sua vez, também líderes da mudança, focados na transformação digital através da realização humana, não deixando, no final, ninguém para trás.

descritores: transição digital, transformação digital, liderança digital, liderança pública, universidades

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