O caso dos "assessores" da CML

O problema não está no número, o qual depende da proporcionalidade e mérito, antes na base legal e capacidade governativa, as quais são mais do que duvidosas.
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Como em todos os problemaspúblicos, há problemas e questões de quantidade e qualidade suscitada pelaalocação de recursos.

A quantidade de assessores parece excessiva, sobretudo comparada com o número de assessores governamentais, quesão cerca de 500, e o orçamento total para os gabinetes governamentais, que é de cerca de 60 milhões de euros (e inclui pessoal administrativo e nãotécnico), todos eles cerca de 500 igualmente. Isto sem esquecer ainda os motoristas.

O argumento da quantidade de áreas de governação e respetivas (múltiplas) reuniões do município de Lisboa, creioserem 26, parece também não justificar o número de assessores, sobretudo quando o município de Lisboa é dotado de serviços públicos técnicos e administrativos em todas essas áreas, que servem os vereadores e seus gabinetes e não cabe aoerário público suportar recursos não fundados no princípio democrático, ou melhor, no sufrágio e representação política.

Outra questão, além da ineficiência, é a ineficácia e demérito dos gabinetes lisboetas ou dos seus membros.

Porém, na minha opinião, deveria estar-se a questionar duas coisas neste caso dos assessores e gabinetes da CML.

Primeiro, deveriaquestionar-se qual a base legal para haver tantos assessores, quando a próprialei aponta para um número limitado ou especificado, diria máximo, de membrosdos gabinetes de apoio à Presidência e à Vereação, bem como assinala arespetiva qualidade do exercício de funções (i.e., mormente chefe do gabinete, adjunto ou secretário).

Ora, a existência de gabinetes de apoio nos municípios nem sequer élegalmente obrigatória. Eles só existem se o presidente da câmara quiser. Cabe,pois, no poder discricionário do dirigente máximo do órgão executivo daautarquia.

Mas tal poder discricionário refere-seà iniciativa da constituição do gabinete e não quanto à nomeação oumultiplicação de membros desses gabinetes. Este último poder é, na minhaopinião, de natureza vinculativa. Note-se que é o presidente do executivo quedetém o poder de designar e exonerar os membros de todos os gabinetes, ainda que sob proposta dos vereadores competentes, com exceção do da presidência.

Bom, mas o contra-argumento a esta última opinião é precisamente a base legal utilizada por Carlos Moedas, a qual remonta à presidência de António Costa enquanto edil de Lisboa.

A base legal é o disposto no n.º 7 do artigo 42.º do Regime Jurídico dasAutarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, na sua redação atual (“7. O presidente da câmara municipal deve disponibilizar a todos os vereadores os recursos físicos, materiais e humanos necessários ao exercíciodo respetivo mandato, devendo, para o efeito, recorrer preferencialmente aosserviços do município.”).

Esta base legal refere-se, de facto, à obrigação do presidente da câmara em disponibilizar aos vereadores os devidos recursos, mas não creio que possa violar o normativo assertivo dos restantes números dos artigos, sob pena de tal poder chegar-se, no limite (ou nem tanto) a 26 assessores por cada vereador!

Não faz muito sentido que o legislador estabeleça um número reduzido de assessores para todos os vereadores em uma norma e na outra, ainda que se possair além, admitir que tal número possa ser violado, ou melhor, multiplicado por2, 3 ou 4. Mais, obriga a uma preferência de escolha dos “recursos humanos” pelos“serviços do município”.

Questão diferente é saber se são insuficientes os limites previstos na lei. Bom, mas se assim é, então altere-se a lei em conformidade. Não se viole a lei por conveniência e oportunidade, para mais sem prática consuetudinária, reiterada e generalizada. Tal não aocntece nos demais municípios, nem em proporção.

Segundo, é umproblema com raízes mais profundas e, por isso, mais grave que respeita à governância da câmara municipal, à sua liderança, organização e funcionamento.

É um dos maiores garrotes da eficiência e eficácia e fonte explicativa dos défices estruturantes das administrações públicas.

Tampouco há discussão séria sobre oassunto, pois, implica reconhecer a incompetência e ignorância dos atuais líderes políticos e administrativos, atitude a qual, como sabemos, não está ao alcance da maioria, infelizmente.

Enquanto não fizermos uma discussão séria, aberta, compreensiva, racional, sem hierarquias e graus académicos continuaremosa misturar despesa com investimento, confiança com interesse e eficácia com eficiência.

Demasiados erros básicos para tão qualificada questão nacional.

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