A maioria absoluta muda a política e ambição da governação?

Na perspetiva da ambição da governação e políticas públicas, qual a importância de haver um governo maioritário, se os programas de governo e os OE são indiferentes às maiorias parlamentares?
© João Coelho/Infografia DN

Qual é a relevância de um governo minoritário "obter" uma maioria absoluta para a ambição e alcance das políticas públicas? Muda alguma coisa? A crer na documentação e retórica governamental, parece que não.

Se lermos o novo Programa de Governo de maioria absoluta e o Programa Eleitoral do partido que o sustenta verificamos que são estrutural e substancialmente iguais. Se lermos a última proposta de OE do Governo minoritário visando o apoio de mais 3 partidos (PCP, BE, PEV) com a atual proposta de OE do Governo de maioria absoluta verificamos que são, no alcance e substância, quase iguais. Ora, não relevará nada ter maioria ou relativa ou absoluta para a ambição de políticas a adotar e implementar? Se com maioria absoluta não se puder ser mais audaz, ambicioso e aspiracional na mudança, quando será?

É certo que os argumentos político e jurídico podem obscurecer a resposta, mas parece-me haver aqui alguns mitos.

O argumento político diz que o Governo tem de executar as políticas e medidas que prometeu ao eleitorado. É verdade, mas nada impede que se vá mais longe, sobretudo quando os programas são tão vagos.

O argumento jurídico diz que o programa de Governo deve indicar as “principais orientações políticas e medidas a adoptar ou a propor” (188.º, CRP). Ora, as "principais", não diz que têm de ser "todas", pelo que cabem perfeitamente medidas mais ambiciosas e de maior alcance e profundidade desde que não virtuem os fins e princípios do programa eleitoral, os quais, repito, são, como é tradição infelizmente, tão vagos que adequa perfeitamente este tipo de medidas e políticas.

Portanto, não creio que haja pretexto ou desculpa para não se prometer ir mais longe e ir mais fundo na génese programatáica do partido que sustenta o Governo.

Neste sentido, é possível fazer mais, melhor e diferente com uma maioria absoluta no programa de governo. É possível ir além, sem violar compromissos eleitorais, e pode um Orçamento do Estado ir mais além de um programa eleitoral, sobretudo, em face do típico “principialismo” e "generalismo" dos programas governamentais, em contrasenso com o sentido mais pragmático e desideológico das campanhas eleitorais.

Aliás, Fernando Medina disse bem: "o Orçamento, sendo importante, não esgota a vida, das reformas e do Governo".

Além disso, a"transição" do anterior e atual Governos goza de alguma excecionalidade, pois, já era conhecida a proposta de OE chumbada e o facto de o novo Governo ser, basicamente o mesmo (i.e., mesmo partido vencedor e Primeiro-Ministro), contexto o qual, parece-me reforçar o argumento de que poderia ter-se ido (muito) mais fundo e mais longe, ainda para mais com um grupo parlamentar maioritário, dócil e, em alguns casos, composto por ex-governantes.

O que é espantoso é que ninguém faz nem explora estas perguntas e desconformidades, sobretudo a oposição, e raras são as análises que as identificam tampouco as desenvolvem, algo que deveria ser óbvio, particularmente, para os mais atentos e interessados.

Temos excelentes ex-comentadores e colunistas políticos no Governo atual, mas creio que não foram todos.

Onde está este debate, e escrutínio e pressão, tão crucial para o presente e futuro do nosso país? Haverá melhor contexto e capacidade para ser mais ambicioso ou verifica-se uma falta de saber e competência para fazer crescer e desenvolver o país? Custa-me a crer, mas os indícios são tão desoladores quanto surpreendentes.

Não se trata de ser contra ou a favor de este Governo, de dizer mal ou bem, reducionismos que pouco interessam aos cidadãos crentes no país e que o sobrepõem a qualquer ideologia ou partido ou interesse individual.

Trata-se, antes, de saber por que razão os programas políticos e os OE de governos com diferentes poderes políticos sob o domínio do mesmo Primeiro-Ministro e partido político, são indifererentes às maiorias parlamentares. Uma pergunta que, em face do silêncio da opinião pública, parece assustar menos que a resposta.

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